quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Por que os homens gostam da Igreja Ortodoxa

Contribuição de Edward Wolf

Por que os homens gostam da Igreja Ortodoxa
por Frederica Mathewes-Green

Nesses tempos em que as igrejas sofrem da Síndrome dos Machos Ausentes, os homens comparecem às igrejas ortodoxas em quantidades que, se não são numericamente impressionantes, são ao menos proporcionalmente intrigantes. Talvez esta seja a única igreja que atraia homens na mesma quantidade que mulheres. Conforme observou Leon Podles em seu livro The Church Impotent: The Feminization of Christianity (A Igreja Impotente: a Efeminação do Cristianismo) : "Os ortodoxos são os únicos cristãos que compõe, ou precisam compor, música litúrgica em basso profundo".

Em vez de tentar descobrir o porquê disso, enviei emails a cem homens ortodoxos, a maioria dos quais entrou na Igreja já adultos. O que eles acham que torna esta igreja em particular atrativa aos homens? Suas respostas, que relato abaixo, podem dar algumas dicas aos líderes das demais igrejas, que tentam segurar os rapazes nos bancos.

Desafios. A palavra mais citada pelos homens é "desafio". A Ortodoxia é "ativa, e não passiva". "É a única igreja onde você tem que se adaptar a ela, e não ela se adaptar a você". "Quanto mais tempo nela, mais a gente percebe como ela é exigente".

A "postura austera dos ritos ortodoxos" é parte do apelo. Os dias de jejum de carne e derivados de leite, "ficar de pé por horas a fio, fazer prostrações, ficar sem comer e beber [antes da comunhão]...Quando chegamos ao fim, a gente fica com a impressão de que cumpriu um desafio". "A Ortodoxia apela ao desejo do homem de se auto-educar pela disciplina".

"Na Ortodoxia, a questão da luta espiritual está por toda parte; santos, inclusive santas, são guerreiros. Luta requer coragem, fortaleza e heroísmo. Somos chamados a sermos 'lutadores' contra o pecado, a sermos 'atletas', conforme disse São Paulo. E é dado um prêmio ao vitorioso. O fato de que você tem que 'lutar' durante a liturgia ficando de pé, em si, é um desafio que os homens estão dispostos a assumir".

Um recém-convertido resumiu assim: "A Ortodoxia é séria. É difícil. É exigente. Ela tem a ver com misericórdia, mas também com superar-se a si próprio. Sou desafiado de maneira profunda, a 'não me sentir bem comigo mesmo', a me tornar santo. É rigorosa, e nesse rigor é que encontro libertação. E, sabe, minha esposa também".

Regras claras. Muitos mencionaram o fato de que apreciam a clareza de conteúdo desses desafios, ou seja, o que eles são supostos a fazer. "A maioria dos homens se sentem mais confortáveis quando sabem o que é esperado deles". "A Ortodoxia tem limites claros". "É mais fácil aos homens se expressarem em adoração quando há regras sobre como as coisas funcionam – especialmente quando essas regras são tão simples e funcionais que a gente simplesmente pode começar a praticá-las desde já".

"As orações da Igreja – as orações da manhã, da noite, antes e depois das refeições etc. – dão aos homens uma maneira de adentrar à espiritualidade sem que se sentam sob holofotes ou sem que se preocupem se estão parecendo estúpidos por não saberem o que falar".

Eles apreciam as posturas físicas bem definidas que formarão o caráter e o entendimento. "As pessoas já começam a aprender os rituais e o simbolismo, por exemplo, fazendo o sinal da Cruz. O sistema disciplinar torna a pessoa ciente de sua relação com a Trindade, com a Igreja e com todos que encontra".

Objetivo. Os homens apreciam o fato de que tal desafio tem um objetivo: a união com Deus. Eis o que uma pessoa disse a respeito de sua igreja anterior: "Eu sentia que não estava indo a lugar algum na minha vida espiritual (se é que tinha algum lugar a chegar – eu já estava lá, não é mesmo?). Mas algo, vai saber o quê, estava faltando. Será que não tem NADA que eu deveria estar fazendo, Senhor?"

A Ortodoxia preserva e transmite a antiga sabedoria cristã sobre como progredir a essa união, chamada de theosis. Cada sacramento, cada exercício espiritual, é feito para levar a pessoa – corpo e alma – adiante nessa contínua consciência da presença interna de Cristo, assim como em todos os seres humanos. Assim como um tecido fica saturado de tinta por osmose, ficamos saturados de Deus por theosis.

Um catecúmeno disse que acha os ícones úteis para resistir a pensamentos indesejados. "Se você fechar os olhos às tentações visuais, há várias imagens na memória que podem lhe causar problemas. Mas se a gente se cercar de ícones, então você terá a chance de olhar para algo tentador ou para algo santo".

Um padre disse: "Os homens precisam de desafio, de objetivo, uma aventura talvez – em termos primitivos, uma caçada. O Cristianismo Ocidental perdeu o aspecto ascético, isto é, o aspecto atlético da vida cristã. Este é o propósito do monasticismo, que surgiu no Egito em grande parte como um movimento masculino. As mulheres também entraram na vida monástica, e nossos antigos hinos falam de mulheres mártires mostrando 'coragem masculina'".

"A Ortodoxia enfatiza o FAZER… Os homens são orientados a AÇÃO".

Ausência de sentimentalismos. No livro Church Impotent acima citado (e recomendado por vários dos homens que consultei), Leon Podles apresenta sua teoria sobre como a piedade, no Cristianismo Ocidental, se efeminou. Nos séculos XII e XIII surgiu uma tendência particularmente frágil, até mesmo erótica, de devoção, segundo a qual o fiel deveria retratar a si próprio (ao invés da Igreja) como Noiva de Cristo. O "Misticismo de Noivado" foi entusiasticamente adotado por mulheres devotas, e deixou uma marca profunda no Cristianismo Ocidental. É compreensível que tenha menos apelo aos homens. No Ocidente, por séculos, os homens que escolhem o ministério têm sido estereotipados como sujeitos efeminados. Um fiel, ortodoxo de longa data, afirmou que, de fato, parece que o Cristianismo Ocidental é uma "história de amor escrita por mulheres para mulheres".

A Igreja Oriental escapou desse Misticismo de Noivado porque o grande cisma entre Oriente e Ocidente já tinha acontecido. Os homens que consultei expressaram um profundo desgosto por esse frágil e gentil Jesus ocidental. "O Cristianismo americano, nos últimos dois séculos, tem se efeminado. Ele apresenta Jesus como um amigo, um namorado, alguém que 'anda comigo e fala comigo'. Trata-se de uma imagem encantadora às mulheres, que necessitam de vida social. Ou aquela que retrata Jesus chicoteado, morto na cruz. Nenhuma delas é o modelo de Cristo que os homens típicos se identificam" .

Durante a Liturgia, "os homens não querem rezar à moda ocidental, com as mãozinhas abraçadas uma a outra, lábios apertados e expressão facial de serenidade forçada". "É um tal de homem dando a mão para homem e cantando musiquetas de acampamento" . "Estrofes sobre 'estender a mão para receber Seu abraço', 'querer tocar Sua face', enquanto estiver sendo 'inundado pelo poder de Seu amor' – são canções difíceis para um homem cantar a outro Homem".

"Um amigo meu me disse que a primeira coisa que ele observa quando entra numa igreja são as cortinas. Isto lhe mostra quem está dando as ordens naquela igreja, e que tipo de cristão quer atrair".

"Os homens querem ser desafiados a lutar por uma causa gloriosa e honorável, e se sujarem no caminho, ou se jogar no sofá com muita cerveja, pizza e futebol. Mas a maioria de nossas igrejas quer que nos comportemos como cavalheiros, mantendo nossas mãos e bocas bonitas e limpas".

Um dos homens me disse que os cultos em sua igreja pentecostal eram "meras experiências emotivas. Sentimentos. Lágrimas. Repetidas dedicações de sua vida a Cristo, em grandes e emotivos encontros. Cantar músicas emotivas, levantando e balançando as mãos. Até mesmo a leitura das Escrituras é feita para produzir experiências emotivas. Eu sou um homem prático, eu quero fazer as coisas, e não sair por aí falando e se emocionando com as coisas! Como homem de negócios, sei que nada acontece sem esforço, energia e investimento. Por que na vida espiritual seria diferente?

Uma pessoa que visitou diversas igrejas católicas me disse: "Elas eram convencionais, fáceis e modernas, enquanto eu e minha esposa procurávamos algo tradicional, difícil e contracultural, algo antigo e marcial". Um catecúmeno me disse que em sua igreja não-denominacional o "[c]ulto era raso, casual, remendado com o que houvesse de mais atual; às vezes a gente sentava, às vezes ficava de pé, sem muito ritmo ou razão. Fiquei pensando como a tradição seria de grande ajuda nisso tudo".

"Fiquei furioso na última quarta-feira de cinzas, quando o padre proferiu uma homilia dizendo que o verdadeiro significado da Quaresma é aprender a amarmos a nós mesmos. Isto me forçou a perceber que eu estava de saco cheio desse Cristianismo americano burguês".

Um padre convertido disse que os homens são atraídos pelos elementos perigosos da Ortodoxia, que envolvem "a abnegação de um guerreiro, o risco aterrorizante de amar seus inimigos, as fronteiras desconhecidas para as quais a humildade nos chama. Elimine qualquer uma dessas qualidades e nos tornaremos uma fabriqueta de igrejas: cores bonitas e clientela empanada".

"Os homens podem se tornar altamente cínicos quando percebem que alguém está tentando manipular suas emoções, especialmente em nome da religião. Eles apreciam a objetividade da adoração ortodoxa. Ela não é destinada a despertar emoções religiosas mas a desempenhar um dever objetivo".

Apesar disso, há algo na Ortodoxia que oferece "um profundo romance masculino. Você sabe do que estou falando? A maioria dos nossos romances é rosa, mas este romance é feito de espadas e heroísmo".

De um diácono: "As igrejas evangélicas chamam os homens a serem passivos e bonzinhos. As igrejas ortodoxas chamam os homens a serem corajosos e atuantes".

Jesus Cristo. O que traz os homens à Ortodoxia não é apenas o desafio ou o mistério. O que os traz é o Senhor Jesus Cristo. Ele é o centro de tudo o que a Igreja faz ou diz.

Diferentemente das outras igrejas, "a Ortodoxia apresenta um Jesus robusto" (e até mesmo uma Virgem Maria robusta que, a propósito, é honrada em um hino como sendo "nossa Capitã, Rainha da Guerra"). Muitos utilizaram o termo "marcial" ou se referiram à Ortodoxia como os "fuzileiros navais" do Cristianismo. (A guerra é contra o pecado autodestrutivo e as potestades celestiais invisíveis, e não contra as pessoas, claro).

Contrastou-se essa qualidade "robusta" com o "retrato efeminado de Jesus com o qual eu fui criado. Nunca tive um amigo que não se esforçasse muito para evitar encontrar gente que fosse assim". Embora atraído por Jesus Cristo quando adolescente, "sentia-me envergonhado dessa atração, como se fosse algo que um homem de verdade não levaria a sério, algo semelhante a brincar de boneca".

Um padre disse: "Cristo, na Ortodoxia, é um militante, um Jesus forte, que toma o inferno como cativo. O Jesus ortodoxo lança fogo sobre a terra. No Santo Batismo, rezamos para que os recém-alistados combatentes de Cristo, homens e mulheres, possam "manter-se sempre combatentes invencíveis".

Após anos na Ortodoxia, um homem achou os cânticos de Natal de uma igreja protestante "chocantes, até mesmo pavorosos". Comparados aos hinos natalinos da Ortodoxia, "o pequeno Senhor Jesus adormecido sobre o feno não tem quase nada a ver com o Logos eterno que entra de maneira inexorável, silenciosa e heróica no tecido da realidade criada".

Continuidade. Diversos ortodoxos intelectualmente convertidos começaram lendo a história da Igreja e os escritos dos primeiros cristãos. Com o tempo, eles tiveram de encarar a questão sobre qual das duas igrejas mais antigas, a Católica Romana ou a Ortodoxa, era a mais convincente quanto a ser a Igreja original dos Apóstolos.

Um ortodoxo de longa data afirmou que os homens gostam de "estabilidade: os homens podem confiar na Igreja Ortodoxa por causa da consistente e contínua tradição da fé, que se mantém pelos séculos". Um convertido afirmou: "A Igreja Ortodoxa oferece o que as outras são incapazes: continuidade com os primeiros seguidores de Cristo". Isto é continuidade, e não arqueologia; a igreja primitiva ainda existe e você pode fazer parte dela.

"O que me atraiu foi a promessa de Cristo de que as portas do inferno não prevaleceriam sobre a Igreja – e a união ortodoxa de fé, adoração e doutrina com a devida continuidade histórica".

Um sinônimo de continuidade é "tradição". Um catecúmeno me disse que tentou aprender tudo o que fosse necessário para interpretar as Escrituras, inclusive línguas antigas. "Eu queria cavar fundo, até as fundações, e confirmar tudo o que haviam me ensinado. Ao invés disso, quando mais em descia, tanto mais fraco tudo o que aprendi parecia ser. Percebi que, na verdade, eu apenas havia aprendido a manipular a Bíblia de maneira que eu pudesse sustentar qualquer coisa que eu pensasse. O único antídoto para o cinismo era a tradição. Se a Bíblia quisesse dizer alguma coisa, tinha que ser dentro de uma comunidade, com uma tradição que guiasse a leitura. Foi na Ortodoxia que encontrei o que procurava".

Homens equilibrados. Um padre me disse: "Há apenas dois modelos masculinos: ser 'homem' e forte, rude, cru, macho e provavelmente abusivo; ou ser sensível, bonzinho, reprimido e fracote. Mas na Ortodoxia, o masculino está unido ao feminino; é realista, 'nem macho nem fêmea', mas Cristo que 'une as coisas no céu e as coisas na terra'".

Outro padre comentou que, se um dos membros do casal é mais insistente em converter a família à Ortodoxia do que o outro, "quando ambos fazem confissões, com o tempo ambos se aprofundam e nenhum deles se torna tão dominante na relação espiritual".

Homens na liderança. Goste-se disso ou não, os homens simplesmente preferem ser liderados por homens. Na Ortodoxia, as fiéis fazem tudo o que os fiéis fazem, inclusive pregar, ensinar e liderar a irmandade da paróquia. Mas, por trás do iconostase, em torno do altar, é só para os homens. Uma pessoa resumiu o que os homens gostam na Ortodoxia assim: "Barbas!"

"É o ultimo lugar do mundo onde os homens não são condenados por serem homens". Em vez de toda aquela negatividade, os homens estão constantemente cercados por modelos positivos nos santos, nos ícones e no ciclo diário de hinos e histórias sobre a vida dos santos. Eis outro elemento concreto que os homens apreciam – há outros seres humanos a serem apreciados, e não apenas nuvens de termos etéreos. "A glória de Deus é um homem plenamente vivo", disse Santo Irineu. Um respondente acrescentou que "a melhor maneira de atrair um homem à Igreja Ortodoxa é mostrando-lhe um homem ortodoxo".

Mas nada que seja secundário, não importa o quanto seja bom, pode suplantar o principal. "Uma vida desafiadora não é o objetivo. Cristo é o objetivo. Um espírito livre não é o objetivo. Cristo é o objetivo. Ele é o expoente máximo da história, em torno do qual todos os homens e mulheres eventualmente se ajuntarão, a quem todos se curvarão, e quem toda língua confessará".

sábado, 17 de novembro de 2007

O que é afinal "imagem e semelhança"?


O que é afinal "imagem e semelhança"?

por Fabio Lins

"A expressão 'de acordo com a imagem Dele' claramente refere-se ao aspecto da natureza Dele que consiste de mente e livre-arbítrio, enquanto que "de acordo com Sua semelhança" significa semelhança em virtudes, na medida em que isso é possível."
S. João de Damasco


Na queda, o homem perdeu a semelhança: deixamos de ser veículos de expressão da virtude ,que só pode vir de Deus; e a imagem ficou "danificada": nossa mente fragmentou-se e nosso livre-arbítrio defeituoso, cheio de inúmeros pequenos e grandes vícios que lhe tolhem
a liberdade de escolha. Este "órgão de tomar decisões", estando doente, faz com que tomemos decisões erradas e "erremos o alvo" da nossa vida que é Deus. Este é que é o significado da palavra "pecado" no grego do Novo Testamento "hamartia": errar o alvo.

Erramos o alvo porque nosso livre-arbítrio é viciado, cheio de "compulsões", ou, como diziam os Pais da Igreja, "paixões" que tem o mesmo radical de "passivo" ou "passividade" (tanto que em inglês diz-se "passions"). Paixões, portanto, são o preciso contrário do que o mundo moderna prega. Ao invés de serem 'afirmações e expressões da individualidade' da pessoa, são exatamente impressões, marcas que o ambiente provoca na pessoa, moldando-a, tolhindo seu livre-arbítrio. Quanto mais cheia de paixões for a pessoa, mais dominada pelo ambiente ela está, menos liberdade ela tem e mais passiva ela é em face do que a cerca, seja a natureza, campanhas de marketing ou a sociedade.

É por isso que o caminho de restauração da imagem passa necessariamente pela via ascética, a via da profunda disciplina. Trata-se de, com o auxílio de Deus, disciplinar as escolhas e as
vontades. Por vezes vemos santos tomando radicais ações de mortificação e ficamos vivamente impressionados. Não estarão violentando-se? Quem já viu uma turba enfurecida de grupos rivais de torcedores brigando sabe que existem situações nas quais medidas violentas são inevitáveis para acalmar os ânimos. Realmente, é possível que a polícia exagere na mão da repressão. Igualmente é possível que alguns santos - que apesar de santos não possuíam a perfeição ideal já que apenas Nosso Senhor Jesus Cristo é sem pecados - tenham exageado a mão. Mas assim como a polícia reprime em favor dos inocentes em volta, o santo disciplina-se em favor da salvação. As compulsões em muitos de nós foram tão excitadas ao longo dos anos pelo reforço e repetição dos mau-hábitos, pelo feedback positivo da sociedade aos nossos vícios que é necessário um "choque" para aquietá-los. Descobrir a medida certa é sempre uma operação delicada e por isso mesmo é que a orientação de um pai espiritual é necessária para que o remédio - especialmente se tiver que ser forte - não ultrapasse a necessidade.

A reunião da mente e do coração é uma necessidade absoluta. Vemos o caso mais radical de tal separação nos psicopatas e sociopatas, nos quais seus pensamentos, quase sempre muito inteligentes, não encontram o menor eco em seu coração. Esta é a razão de muitas pessoas,e admitamos, nós mesmos, tomarmos atitudes "cruéis". Nossa decisão, nossa idéia, não está unida ao coração. Igualmente é o motivo de pessoas de "grande coração" tomarem rumos irracionais,
evidentemente danosos e ilógicos. O coração delas, desvinculado da razão, é qual um navio sem leme, um navegador sem mapa ou bússola. Reunindo inteligência e coração estamos desfazendo o "esfacelamento" da imagem divina em nós.

Para fazer esta reunião apropriadamente é necessário curar o "Nous" o "órgão" que nos permite "ver" Deus. Presentemente, este Nous ora é abalado pelas tempestades do coração, aprisionado pelos limites da mente, e ora é arrastado na lama pelas nossas "passividades compulsivas", as paixões. Por isso o treino ascético constante na oração e na quietude é necessário. Uma vez aquietados os algozes que o agridem, o Nous começa a "curar-se sozinho", ou, melhor dizendo,
considerando que Deus está constantemente "reenergizando-o" com Suas próprias energias para que possamos vê-Lo, ele pode seguir seu rumo natural se estiver sem ataques.

A semelhança só é possível se imagem estiver saudável, isto é, as virtudes só podem ser expressas com uma mente (inteligência-coração) unificada e um livre-arbítrio sem entraves, isto é, sem vícios graves, sejam vícios por coisas diretamente destrutivas ou por prazeres e distrações. A Virtude não está em nós mesmos, mas em Deus. Ela pode se expressar através de nós se formos "veículos" adequados para isso, se o "cano" (nossa alma) estiver firme e sem rachaduras para que a água (as energias de Deus) passe. Um "cano com água abundante jorrando" é o homem santo. Ele é "corpo de Deus" porque naquele momento em que a água está nele, a água e ele são uma só coisa, ainda que composta. É por isso que a pessoa santa, quando diz que todo bem que pratica não vem dela mas de Deus, não está sendo falsamente humilde, mas expressando a mais pura verdade. Só Deus é santo, só Deus é perfeito e não há virtude em nós mesmos, mas podemos ser coparticipantes da virtude, da perfeição e da santidade divinas, conforme o próprio São Pedro nos ensina em sua 2a. epístola.

A salvação consiste precisamente na reconstrução da imagem e mais uma vez receber a semelhança; em restaurar nossa "sanidade espiritual" para a partir daí Deus poder se manifestar em nós, fazendo, assim, que sejamos Seu próprio Corpo. Nossa participação nela é nossa luta ascética diária, nossa "reforma espiritual", tornando este hoje miserável templo em habitação digna do Espírito de Deus.

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O texto que S. João de Damasco segura em seu ícone é:

"Antigamente, Deus, que é sem forma ou corpo, não podia ser retratado. Mas agora, quando Deus foi visto na carne conversando com os homens, faço uma figura do Deus que vejo. Não adoro a matéria. Adoro o Criador da matéria que se tornou matéria por amor de mim."

Burocrata de um reino árabe, ele foi um grande defensor dos ícones em uma época em que o próprio imperador do Império Romano era contra fazer imagens de Deus e santos.

Como a Igreja Católica voltou à Igreja Ortodoxa

Últimas notícias: 23 de setembro de 2023


O assassinato do papa Lino II ocorrido nesta manhã em Berlin chocou todo o planeta. Este Papa, que em uma geração transformou o catolicismo romano, foi morto com um único tiro disparado do revólver de um judeu fanático que acusou o Papa por seus constantes apelos por justiça aos árabes da região da Palestina.

Papa Lino II, cujo nome secular era George Zakiyah nasceu em um pobre vilarejo de língua aramaica no oeste da Síria no dia de São Jorge. 06 de maio de 1945. Embora seus pais, Youssef e Miriam fossem Ortodoxos, eles foram obrigados a criar seu filho como católico, já que naquela época este era o único meio de lhe proporcionar educação e cuidados médicos. De humilde origem campesina, George sempre demonstrou ser um excelente aluno e, com auxílio de uma bolsa de estudos, cursou Letras na Universidade de Damasco. Ao se formar, passou a estudar teologia na Universidade Gregoriana de Roma. Em 1963, aos 28 anos, foi ordenado padre, servindo diversas paróquias no Líbano, principalmente em Beirute. Em 1988 foi nomeado bispo católico de Damasco, demonstrando grande talento para a diplomacia, o que certamente influenciou em sua nomeação como Cardeal em apenas seis anos, em 1994. nessa época, tudo levava a crer que sua carreira eclesiástica chegara ao fim, e que ele se tornaria um erro bispo emérito em alguma cidade do Oriente Médio. No entanto, a morte do Papa João Paulo II levou uma igreja católica dividida e indecisa na escolha de um sucessor a eleger este jovem e desconhecido Cardeal sírio católico como Papa de Roma. Esta surpreendente escolha foi, na verdade, uma concessão. Para os tradicionalistas, eleger um bispo que não fosse europeu ou norte americano, e que fora nomeado Cardeal pelo próprio João Paulo II, parecia a escolha mais segura. Para os liberais, Dom George era uma boa opção para representar os países do Terceiro Mundo, especialmente por ser jovem e representar uma minoria. Somente o estado de Israel manifestou-se contrário à sua eleição. A surpresa foi ainda maior quando o novo papa recusou-se a adotar o nome de "João Paulo III", como todos esperavam, e assumiu o nome de Lino II em homenagem ao primeiro Papa de Roma, São Lino, que fora consagrado por São Pedro. Na verdade, esta decisão do novo Papa foi a primeira de muitas que simbolizavam uma mudança radical em relação aos séculos anteriores e um genuíno retorno às raízes da Igreja.

Isso ficava claro nos slogans utilizados pelo Papa Lino II como "Precisamos voltar ao primeiro milênio para avançar para o terceiro" e "Retroceder mil anos para avançar mil anos". Todas estas frases realmente marcaram seu, segundo suas próprias palavras, "episcopado". Tanto os tradicionalistas quanto os liberais se espantaram com o apelo do Papa para que a Igreja Católica Romana se livrasse de tudo aquilo a que ele se referia como "os erros que a Igreja acumulou durante o segundo milênio". O primeiro ato do Papa Lino neste sentido, de substituir o latim pelo inglês como língua oficial do Vaticano, chocou muitas pessoas. Ele ainda afirmou que Cristo falava aramaico – a língua materna do Papa – e não latim, e que se Ele retornasse hoje não falaria uma língua morta. Mas isso não foi nada comparado a seu ato seguinte – permitir a ordenação de homens casados ao presbitério. Pela primeira vez em 900 anos a Igreja permitia que padres casados celebrassem a missa. Mas a terceira resolução do Papa chocou ainda mais os tradicionalistas. Ao admitir que seus predecessores estavam afogados em dogmatismo, o Papa Lino afirmou que, como Papa, ele não tinha direito de se manifestar a respeito do uso de certos métodos contraceptivos e afirmou, ainda, esta não era uma questão dogmática, mas sim pastoral, e que com relação a esta questão os católicos casados deveriam agir segundo sua consciência e seguindo os conselhos de seus padres confessores. Ele ainda afirmou que, em certos casos, não haveria alternativa à utilização de métodos contraceptivos.

Embora tais ações tenham causado grande comoção, também receberam vasto apoio popular. E foi em meio a este clima que a quarta ação do Papa, um retorno à espiritualidade e à teologia Trinitária tradicional, e a proscrição do "filioque" – que foi removido definitivamente do Credo recitado na Igreja Católica Romana – passou praticamente despercebida, exceto pela Igreja Ortodoxa. Porém, um único ato foi responsável pela extraordinária renovação espiritual ocorrida na Igreja Católica nas últimas duas décadas: a mudança mais profunda em todo o radical episcopado do Papa Lino II foi a compreensão de que muito daquilo que era anteriormente considerado como "espiritualidade" não passou, na verdade, de fraude espiritual – uma das conseqüências foi a "descanonização" de vários "santos" católicos populares.

Com tudo isso, em fevereiro de 2002 tínhamos a impressão de que haveria um cisma na Igreja entre tradicionalistas e liberais. Porém, o Papa acalmou a todos quando, na primavera de 2002, ele declarou sua oposição à ordenação de "sacerdotisas", à cremação, à alteração do cálculo da data da Páscoa, reafirmou a condenação à maçonaria e reintegrou ao calendário universal vários santos que foram anteriormente cassados durante o Concílio Vaticano II, como: São Jorge, Santa Catarina, Santa Bárbara e São Cristóvão. Os tradicionalistas ficaram tão felizes com tais ações que estavam praticamente prontos para perdoar o Papa por suas ações anteriores e aparentemente liberais.

Mas tais ações marcariam todo o episcopado do Papa Lino. Em 2003 ele abdicou de sua posição como líder político e chefe de estado e mudou-se do Vaticano, que foi abolido como Estado e entregue à cidade de Roma como "Museu da Renascença", um ato que horrorizou os tradicionalistas e encantou os liberais. Mas quando, naquele mesmo ano, o Papa promoveu uma renovação do monasticismo e conclamou aos católicos de todo o mundo para que buscassem uma vida em oração e voltassem a confessar-se e a jejuar regularmente – práticas que estavam praticamente abandonadas – a reação foi exatamente a oposta, especialmente quando ele restaurou os jejuns da Quaresma, do Advento e o jejum Eucarístico.

Mas sem dúvida o ápice do episcopado do Papa Lino foi a convocação do Primeiro Concílio de Roma, ao qual foram convidados não somente o episcopado católico, mas também todo o episcopado Ortodoxo, que recebeu direito de voto, e no qual os Patriarcas Ortodoxos foram recebidos como seus pares. Foi neste concílio, ocorrido em 2010, que o Papa Lino, em um grande ato de humildade, condenou o dogma da infalibilidade papal e rejeitou os dogmas da Imaculada Conceição e da Assunção. Suas reformas litúrgicas, que devolveram práticas da Igreja primitiva ao catolicismo incluíam a obrigatoriedade dos padres de ministrar a Crisma concomitantemente ao Batismo, ministrar a Eucaristia nas duas espécies, ministrar a Eucaristia a crianças, que os padres voltassem a celebrar de voltados para o altar e a rejeição de diversas inovações litúrgicas medievais – incluindo até mesmo a condenação da arquitetura gótica como uma "aberração medieval". Tais práticas chamaram a atenção, mas sem dúvida o ato mais surpreendente do Concílio foi o retorno do catolicismo romano à colegialidade da Igreja e a total rejeição daquilo que o Papa Lino chamava de "papismo". E a nomeação de seis Patriarcas para a América do Norte, América Latina e Caribe, África, Australásia, China e Índia, com autoridade absoluta sobre os fiéis de rito latino nestas jurisdições foi certamente a maior reforma dentro da Igreja desde as reformas do Papa Hildebrando no século XI, que estabeleceram o celibato compulsório para o clero e afirmou o autoritarismo papal. Hoje o Papa de Roma é somente uma figura de respeito entre os Bispos Metropolitas da Europa Ocidental, e em outros continentes o episcopado local hoje elege seus próprios patriarcas, de modo completamente independente de Roma.

Na esfera ecumênica a política do Papa Lino foi recebida com entusiasmo por Protestantes e Ortodoxos. Os primeiros aprovaram a condenação do Papa dos "grandes erros" da Idade Média, como as indulgências e a cassação de vários "santos" conhecidos por perseguirem Protestantes e outros dissidentes da Igreja. E, como era de se esperar devido a seu histórico, o Papa Lino buscou ainda mais aproximar o catolicismo da Igreja Ortodoxa, a qual ele se referia como "a fonte da verdadeira tradição católica". a cassação de "santos políticos" ou assassinos como Carlos Magno, Josafá Kuntsevic de Polotsk, André Bobola ou Stepinac de Zagreb foi muito bem recebida, assim como a dissolução das igrejas uniatas, às quais o papa apelou para que retornassem às suas igrejas-mãe na Ortodoxia.

Sua condenação do "filioque" como um "erro espiritual gravíssimo" que levou a uma "deformação espiritual do catolicismo", e condenação do Escolasticismo e sua teologia como "mera filosofia" e a cassação de filósofos escolásticos, juntamente com seu clamor para que a Igreja retomasse os "valores da teologia patrística" foram igualmente bem recebidos. Mas talvez, acima de tudo, sua categórica condenação das Cruzadas como um "ato abominável de banditismo", bem como a condenação das perseguições perpetradas por católicos na Áustria, Polônia e Croácia contra os Ortodoxos durante o século XX e a responsabilidade – direta e indireta – do Vaticano pelo assassinato em massa de Ortodoxos nas duas Grandes Guerras Mundiais foi o que fez do Papa Lino verdadeiramente popular entre os fiéis Ortodoxos. Ninguém irá esquecer o arrependimento que o Papa demonstrou na sua visita à Sérvios, bem como a inclusão dos Novos Mártires sérvios, assassinados por "católicos fanáticos", um ato que despertou a ira do governo linha-dura da Croácia em 2012. Por isso não foi surpresa alguma a inclusão no ano seguinte de diversos santos Ortodoxos no calendário romano, incluindo os novos mártires da Rússia e da Grécia.

Embora as relações com o mundo muçulmano tenham melhorado após a condenação das Cruzadas feita pelo Papa sírio, houve pouca mudança nas relações de seu episcopado com outras religiões – e no caso do judaísmo, a situação chegou até mesmo a piorar, já que o Papa sempre foi um defensor da criação de um estado árabe na Palestina, uma posição que levou a seu assassinato esta manhã em Berlim por um extremista judeu.

Certamente é difícil prever o que irá acontecer agora com a Igreja Católica. E é impossível imaginar um substituto na Europa Ocidental que esteja à altura do Papa que condenou os "erros do catolicismo" e clamou os católicos "a retornarem à Igreja", e que continuamente referia a si próprio como "apenas um bispo de Roma". Desde que o Papa Lino aboliu o cardinalato, a tarefa de escolher um novo Papa recai sobre os Metropolitas da Europa Ocidental. Mas será que este homem, que reescreveu a história do cristianismo ocidental, poderá ser substituído? A questão permanece em aberto, a menos que seja decidido que não haja necessidade de substituí-lo...

Artigo traduzido e adaptado por Ricardo Williams, publicado originalmente no site Orthodox England .

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Atenção: todos os direitos desta tradução estão reservados a seu autor. Este texto não pode ser reproduzido integral ou parcialmente sem a prévia e expressa autorização do tradutor.